A data não deixa margem para dúvidas, mas quem esteve no Pavilhão Atlântico pode perfeitamente ter pensado que se estava de volta a 1986, o ano em que o thrash meteu o pé na porta do mainstream e se transformou, de um momento para o outro, numa das tendências mais duradouras e influentes na história da música pesada.
Antes de ascenderem ao estatuto de "clássicos" de uma tendência, bandas como Slayer, Megadeth e Anthrax batalharam no underground, construindo uma reputação intocável e conquistando uma base de seguidores bem sólida graças à sua atitude terra a terra e à energia que sempre caracterizou as suas atuações.
A passagem da década de 80 para a de 90, trouxe o crossover do estilo para o mainstream, cortesia dos Metallica, enquanto aqueles que se mantiveram fiéis aos ritmos rápidos e às guitarras estridentes continuaram a suar as estopinhas para serem levados a sério pelo público generalista.
À força da perseverança, ou teimosia, construíram carreiras sólidas e ganharam estatuto de culto que lhes permite fazer parte dos "big four" do thrash. Sem direito ao pacote completo, desta vez o público nacional viu apenas dois dos big four e, pela satisfação espelhada no rosto de quem saía do Pavilhão Atlântico já depois da meia-noite, ninguém saiu dali insatisfeito.
Dave Mustaine e os seus Megadeth foram os primeiros a subir ao palco, numa European Carnage 2011 que anunciava "special guests" e viu cancelada a atuação dos portugueses WAKO sem aviso. Pontualmente, às 21h00, o quarteto subiu ao palco com grafismo alusivo ao último trabalho de originais como pano de fundo e atacou "Trust".
Com um Dave Mustaine melhor a nível vocal do que nos últimos espetáculos em solo nacional - em 2009, na mesma sala, incluídos no Priest Feast e no Rock In Rio do ano passado - a banda assinou uma atuação com alinhamento orientado sobretudo para os êxitos.
Ainda com uma vistosa guitarra de dois braços, mas com um som à procura do equilíbrio e carente de pujança, Mustaine deu o mote para "In My Darkest Hour", um tema que manteve a toada lenta. Só com "Hangar 18" puseram pela primeira vez o pé no acelerador, provocando as primeiras movimentações tímidas nas filas da frente.
Entre "Wake Up Dead" e "Holy Wars... The Punishment Due", com a paragem obrigatória para cantarolar as letras de "A Tout Le Monde" e de"Symphony of Destruction" pelo meio, os quatro músicos assinaram uma atuação extremamente competente tecnicamente, mas que não passou disso mesmo.
A Chris Broderick e Shawn Drover só falta mesmo um cunho pessoal para preencherem por completo os sapatos de Marty Friedman e Nick Menza respetivamente, porque o que falta realmente aos Megadeth atuais é garra - e até a aparição em palco de Vic Rattlehead, a mascote da banda, pareceu algo forçada durante "Peace Sells".
Isso torna-se ainda mais evidente ao testemunhar o espancamento assinado logo de seguida pelos Slayer , que nesta ocasião, demonstraram uma garra que, em momentos, fez lembrar as míticas passagens do quarteto californiano pelo Dramático de Cascais.
Os tempos são outros e o público já não reage como das primeiras vezes, mas a banda também não é a mesma - Tom Araya, depois de ter sido submetido a uma cirurgia às costas, já não faz headbanging como fazia e, nestas datas, o trio original conta com Gary Holt, dos Exodus, a fazer as vezes de Jeff Hanneman (ainda a recuperar de uma infeção no braço direito).
No entanto, nada disso comprometeu a descarga que se espera de uma atuação dos Slayer. Se fez alguma coisa, ampliou um pouco mais a intensidade da entrega, com os músicos mais concentrados que na sua última atuação por cá, no SBSR de 2009.
A abertura com "World Painted Blood" e "Hate Worldwide" foi feita - à semelhança do que se tinha passado durante a atuação anterior - à procura de equilíbrio entre todos os instrumentos. Mas falta de pujança ninguém lhes pode apontar, algo garantido quando se tem um Dave Lombardo na bateria, um Kerry King na guitarra e um Tom Araya no baixo e na voz.
O frontman da banda não tem de dizer muito mais que um "muito obrigado" num português perfeito, basta-lhe sorrir e anunciar o próximo tema. "War Ensemble" e "Postmortem" fizeram o primeiro contacto com o passado, com Holt a revelar-se uma surpresa na sua função temporária. Desempenhando maioritariamente o papel de ritmista na sua banda de origem, o guitarrista revelou-se um solista exímio ao longo da noite e, mesmo com alguns desvios das linhas originais, nunca comprometeu.
Intercalando temas mais recentes com alguns dos clássicos incontornáveis e um par de recordações mais obscuras do seu fundo de catálogo ("The Antichrist" e "Black Magic"), os Slayer foram castigando, com poucas paragens, uma plateia bem composta - tendo em conta que o palco estava no meio da sala - e umas bancadas mais despidas do que seria de prever.
Sem encore, como quem não faz prisioneiros, "Angel of Death" colocou um ponto final de luxo numa inegável demonstração de vitalidade por parte de um grupo com três décadas de carreira.
Texto: José Miguel Rodrigues [Blitz]
Alinhamento de Slayer:
World Painted Blood
Hate Worldwide
War Ensemble
Postmortem
Temptation
Dead Skin Mask
Silent Scream
The Antichrist
Americon
Payback
Seasons in the Abyss
Snuff
South of Heaven
Raining Blood
Black Magic
Angel of Death
Alinhamento de Megadeth:
Trust
In My Darkest Hour
Hangar 18
Wake Up Dead
Head Crusher
Poison Was the Cure
She-Wolf
Sweating Bullets
1,320'
A Tout Le Monde
Symphony of Destruction
Peace Sells
Holy Wars... The Punishment Due
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