O panorama metálico português não foi sempre prolífero como o vem sendo desde há alguns para cá. O seu início foi algo complicado e o seu desenvolvimento relativamente lento, enfrentando ainda nos dias de hoje algumas barreiras e dificuldades difíceis de ultrapassar.
O movimento metálico a nível internacional surgiu na década de 70, tendo o seu primeiro grande impulso nos finais da mesma década com a explosão do New Wave of British Heavy Metal (N.W.O.B.H.M), que tal como o nome indica teve o seu epicentro na Inglaterra, espelhando-se posteriormente a nível mundial. Na década seguinte surgem novas vagas dentro do Heavy Metal, com a Alemanha a assumir um papel de destaque, juntamente com os Estados Unidos da América onde a Bay Área de São Francisco assiste ao surgimento Thrash Metal.
No entanto, em finais da década de 70, apesar dos ventos revolucionários que ainda bafejavam, eram poucos os que em Portugal conheciam a expressão «Heavy Metal», as bandas portuguesas eram poucas e o mercado discográfico não demonstrava qualquer interesse por este estilo musical. Por outro lado afigurava-se complicado adquirir os discos das bandas mais conceituadas da altura: Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple, AC/DC, UFO, entre outras. Para tal era necessário recorrer a alfarrabistas ou às vendas postais estrangeiras.
NZZN
Nesta época de viragem de décadas ainda não se pode falar verdadeiramente num movimento nacional deste movimento cultural e musical. Dois nomes sobressaem desta altura proeminentes do chamado boom do rock português dos anos 80: NZZN e Roxigénio, pela influência que posteriormente irão ter noutros colectivos. Para muitos os NZZN são a banda pioneira do metal português, lançando mesmo um single em 1980 - "Vem Daí" - alcançando relativo sucesso e chegando ao nº 1 do top de preferências do famoso programa radiofónico "Rock em Stock".
ROXIGÉNIO
Os Roxigénio estrearam-se no Pavilhão Académico do Porto em 9 de Maio de 1980. A banda de António Garcez foi muito bem recebida, de tal forma que no final desse mesmo ano lança o seu álbum homónimo de estreia. Dessa formação faziam parte Filipe Mendes (ex-Chinchilas e Heavy Band, considerado por muitos o melhor guitarrista à época), José Aguiar no baixo e o baterista brasileiro Betto Palumbo. Cantando em inglês e explorando um som claramente heavy metal conseguem alguma exposição radiofónica e ainda actuam em Vilar de Mouros. Ainda editam um segundo disco em 1981 - "Rock 'n Roll Men" - mas algumas mudanças de formação levam ao fim pouco tempo depois.
Por esta altura e nos anos seguintes começam a surgir novas bandas. No Porto surgem os Mac-Zac (dos irmãos Paulo e Luís Barros, que viria a dar origem aos Tarantula), Xeque-Mate, Ferro & Fogo e Jarojupe. Mais a Sul, na zona de Lisboa aparecem os Valium, STS e Sepulcro. A maioria destas bandas inspira-se, um pouco como acontece por toda a Europa, no recente movimento do N.W.O.B.H.M. acabando algumas por mudar de sonoridade nos anos seguintes ou por se desintegrarem.
XEQUE MATE
A nível radiofónico destaca-se o mítico Lança Chamas de António Sérgio emitido aos Sábados à tarde. A acompanhar António Sérgio neste programa de culto estavam Paulo Fernandes e Gustavo Vidal, dois dos principais impulsionadores do programa. A Rádio Comercial tenta cortar o programa por duas vezes, mas a afluência de cartas que chega aos seus estúdios leva a direcção de programas a voltar atrás. Este programa acaba por ter uma influência significativa no desenvolvimento e divulgação deste movimento.
Um pouco por todo o país, em especial na segunda metade da década de 80, surgem rádios piratas com os seus programas de música pesada realizados por curiosos que rodavam o que por cá se fazia ou alguns discos importados ocasionalmente. Este fenómeno levou a que muitas bandas gravassem demo-tapes, muitas vezes de um só tema face às suas limitações financeiras, para que se dessem a conhecer ao público através desses programas radiofónicos.
Em 15 de Dezembro de 1984, em Santo António de Cavaleiros, realiza-se aquele que é conhecido como o primeiro festival português de Heavy Metal que contou com as participações dos Tarantula, Xeque-Mate, STS Paranoid entre outras bandas. Noutra vertente, em Lisboa a Rock Rendez Vous já albergava matinés dedicadas aos sons mais pesados, com os STS Paranoid a demonstrarem serem a banda mais popular da capital. A 4 de Outubro de 1986 realiza-se o Metal Stage, no Cine Plaza da Amadora com Cruise, Valium, Satan's Saints e STS Paranoid.
A segunda metade da década de 80 regista um aumento da actividade metálica nacional. Este crescente movimento reflecte-se no aparecimento de novas bandas e de novos fãs, no surgimento das primeiras fanzines e no surgimento de um grande número de programas radiofónicos.
Um pouco ao estilo do já citado Lança Chamas, surgem em quase todas as rádios locais um programa dedicado ao sons mais pesados, geralmente realizados por curiosos e amantes do estilo que passavam aquilo que se fazia e chegava a Portugal, e em alguns casos mesmo, material importado. Este boom de programas de rádio está intimamente ligado ao aparecimento numeroso de bandas nacionais que vêm nesses programas uma forma de divulgarem o seu som através das maquetas gravadas em estúdios ou na própria garagem onde ensaiavam.
IBÉRIA
Nesta época surgem bandas como os Ibéria, Satan's Saints, Black Cross, Cruise, Alkateya, Sepulcro que juntamente com outras como os Tão, Valium (mais tarde Casablanca), CommeRretus, W.A.D.S., Devil Across, Procyon, Vasco da Gama e Massive Roar formam já um número assinalável de agrupamentos a tocar diversos estilos de metal que vão desde o Rock FM até ao Black Metal, passando pelo Glam, Doom, Speed e Thrash Metal.
No Norte começa também a surgir um movimento com algum interesse. Os Tarantula gravam o seu primeiro álbum homónimo em 1987 e outras bandas como os Dove, Web e Metal Brains começam a destacar-se. A partir de 1987 surge também um movimento algo interessante na margem Sul do Tejo com bandas como Brainded, Thormentor e The Coven.
Das bandas referenciadas anteriormente, algumas merecem algum destaque.
Os lisboetas Alkateya, formados por Beto (ex-Sepulcro), gravaram três maquetas entre 1986 e 1990, realizando mesmo uma digressão nacional. Após o lançamento da terceira maqueta surgiu a tão ambicionada oportunidade de gravar um álbum, mas essa oportunidade acabou por não se verificar, o que levou ao fim da banda. Regressam em Junho de 2003 para uma edição de autor em CD das três demos lançadas na primeira fase da sua carreira, e Lycantropy em 2006. Entretanto, o fundador da banda - Beto - abandonou a mesma para iniciar um projecto musical a solo. Encerraram actividades novamente.
TARANTULA
Os nortenhos Tarantula, no activo desde 1981, editam o seu primeiro álbum em 1987, seguindo-se três anos depois o muito aclamado "Kingdom of Lusitânia" que quase levou a banda a assinar por uma editora estrangeira. Tal contrato não chegou a concretizar-se, acabando o mesmo por acontecer em 1999 com o álbum "Light Beyond The Dark". Pelo meio ficaram dois álbuns editados por pequenas editoras nacionais independentes, seguindo-se depois da estreia internacional "Dream Maker" e "Metalmorphosis".
Os Thormentor, pioneiros de Death Metal em Portugal liderados por Miguel Fonseca, ganham prestígio interno graças à gravação de três maquetas, chegando a editar um single em 1991 ("Dissolved in Absurd").
Em 1994 lançam o álbum "Abstact Divinity", mas problemas editoriais e de instabilidade no seio da banda precipita o fim da mesma, apesar de algumas aparições espontâneas em alguns palcos de Almada.
V12
Em 1987 surgem os V12 de Rui Fingers, Raf Maya, Paulo Ossos, Zé Paulo e Beto Garcia, que gravam imediatamente uma maqueta acolhida de uma forma muito positiva. Logo a seguir desaparecem por algum tempo, reaparecendo em 1990 com um novo vocalista e o álbum homónimo de estreia lançado pela multinacional Polygram, demonstrando o interesse que este estilo começava a despertar nas grandes editoras nacionais.
RAMP
Mesmo no final da década de 80, Rui Duarte forma em 1989 no Seixal os Ramp. A banda ainda no activo torna-se numa das mais importantes bandas do Metal lusitano, iniciando o seu percurso discográfico em 1992 com o mini-LP "Thougths" em formato CD lançado também pela Polygram. Desde essa altura até hoje a banda já deu inúmeros concertos em Portugal e alguns no estrangeiro e lançou 4 álbuns de estúdio, um duplo álbum ao vivo e preparam-se para lançar um novo trabalho.
Se os anos 80 viram surgir muitas bandas, também assistiu ao fim de outras como os Cruise, Sepulcro e Blizzard, enquanto outras prenunciavam o mesmo destino: STS Paranoid (que voltaram à activa, Satan's Saints e Devil Across.
Apesar de tudo, a partir de meados de 80 assiste-se a um desenvolvimento no espectro musical metálico, com o surgimento dos fãs-clubes que serviam de ponto de encontro para a troca de informações e gravações, funcionando a par das rádios como meio de divulgação através das fanzines aí publicadas. Por outro lado tinha-se tornado mais fácil ter acesso ao que por lá fora se fazia em matéria de Heavy Metal, com os lançamentos mais importantes a serem alvo de edição nacional.
No entanto, a década de 90 estava a chegar e com ela tudo ia mudar...
Com a chegada da década de 90, vamos assistir ao aparecimento da segunda geração do metal português, alterando significativamente o panorama nativo neste campo musical.
As maquetas e as fanzines tornam-.se mais profissionais, os programas de rádio continuam a ser emitidos um pouco por todo o território, o nosso Templo do Rock surge também nessa altura, as televisões nacionais começam a passar alguns videoclips de bandas de Metal (ainda que esporadicamente), começam a realizar-se mais espectáculos (alguns deles de grande envergadura: Metallica, Guns 'N Roses, ...), surge um novo boom de bandas nacionais e assiste-se à internacionalização do Metal nacional.
No norte do país aparecem a Rec n' Roll School, escola de música dos Tarantula responsável pela formação de muitos músicos que por consequência iria levar ao aparecimento de várias bandas. Um pouco mais tarde aparece os estúdios Rec n' Roll, local onde muitas bandas gravaram as suas maquetas ou álbuns de estreia. Esta escola e este estúdio foi criado com a intenção de permitir aos Tarantula viver da música, ao mesmo tempo que contribuiu decisivamente para o aparecimento de um forte movimento no Norte do país em especial à volta do Porto com bandas que fizeram história como os W.C. Noise, Dove, Genocide, The Fire, Gangrena, Disgorged entre outras.
Tal como já foi referido no artigo anterior, o lançamento do mini-LP "Thoughts" dos Ramp vai provocar, na opinião de muitos especialistas, uma viragem fundamental na cena metaleira nacional, com o grupo a demonstrar uma grande personalidade musical com o seu thrash metal que lhes permitiu tocar com os Sepultura no 1º Festival Heavy Metal de Santo António de Cavaleiros. Foi a primeira vez que uma banda portuguesa tocou no mesmo palco com uma estrangeira, portando-se à altura do evento. Por outro lado a afluência do público foi boa, tal como a organização num evento desta grandeza. As autoridades policiais é que ainda não estavam preparadas para este tipo de eventos, acabando por aparecer e acabar antecipadamente com aquela grande festa, situação que ocorreu noutras situações análogas na 1ª década de 90. Na opinião de Paulo Barros foi este acontecimento que tornou definitivamente as coisas mais sérias e profissionais no cenário metaleiro português.
Por esta altura começa também a mostrar-se o que por cá se faz lá fora. Os Sacred Sin tornam-se a primeira banda portuguesa a passar na MTV, no programa Headbanger's Ball, fruto do seu álbum "DarkSide". Numa vertente algo diferente, o açoriano Nuno Bettencourt, radicado nos EUA, destacava-se na banda de Hard Rock Exteme.
MOONSPELL
No entanto a primeira banda a quebrar definitivamente a barreiras nacionais foram os Moonspell. Com duas maquetas lançadas nos primeiros anos da década de 90, lançam o mini-Cd "Under the Moonspell" pela pequena editora francesa Adipocere. Praticando na altura um Black Metal com influências da música e cultura portuguesa, chamam a atenção da independente Century Media. Acabam por assinar pela editora em 1995. A estreia pela editora germânica acontece com "Wolfheart" em 1995, sendo muito bem aceite por toda a Europa, de tal forma que na festa de lançamento de "Irreligious", no Convento do Beato em 1996, regista-se uma presença maior de jornalista estrangeiros em relação aos portugueses. Depois desses dois primeiros álbuns a banda já editou mais 7 álbuns de originais e um EP, tornando-se numa das bandas europeias mais consistentes. Nestes últimos anos já fizeram várias tournés europeias e mundiais, apenas comparável a nível nacional com os Madredeus.
HEAVENWOOD
Esta internacionalização dos Moonspell permite ás outras bandas nacionais ter uma perspectiva diferente do seu mercado ao mesmo tempo que abre as portas das nossas fronteiras a outras bandas. Pouco tempo depois de os Moonspell lançarem "Wolfheart" é a vez dos Heavenwood (ex-Disgorged) assinarem um contrato de dois álbuns pela Massacre Records, uma editora alemã em crescendo na altura. O primeiro álbum "Diva" vende cerca de 10 mil cópias no mercado europeu e a imprensa internacional parece aceitar bem esta estreia. Dois anos depois, em 1998 é lançado "Swallow" com a participação de LivKristine e Kai Hansen, mas depois deste álbum vários problemas internos no seio ainda por explicar levaram ao desaparecimento da banda, com a excepção de algumas aparições esporádicas algo infelizes, nomeadamente na abertura de alguns concertos dos Moonspell no Porto e em V.N. de Gaia. Mas eis que a banda anuncia o grandioso regresso, e dez anos depois (2008) lança o excelente Redemption.
Também os Gangrena por esta altura, e após uma pequena tourné pela Europa central a promover o álbum "Infected Ideologies" são contactados pela Nuclear Blast para assinarem um contrato "que esteve em cima da mesa". No entanto, alguns membros da banda não estavam dispostos a arriscar uma carreira internacional e a partir daí, de acordo com João Santos baixista do grupo naquela altura, deixou de haver motivos para a banda continuar em actividade.
Os veteranos Tarantula acabam também por assinar por uma editora alemã - AFM Records - em 1999, editando desde então, já 3 discos, tal como já foi previamente referenciado.
Nesta primeira metade de 90 outras bandas se destacam como Decayed, Malevolence, Inhuman, In solitude, Fallen Seasons, Desire, The Temple, Morbid Death, Incógnita, entre outras.
O fenómeno das bandas estava agora espalhado por todo o Portugal continental e ilhas. Destas bandas umas terminaram ao fim do seu primeiro ou segundo álbum, outras continuaram pela década em diante, continuando algumas a sua actividade no século XXI.
FORGOTTEN SUNS
Para o final da década aparece uma nova vaga de bandas mais próximas do heavy metal tradicional que por esta altura regista um renascimento criativo e público na Europa. Nesta vaga destacam-se os barcelenses Oratory, Evidence, Forgotten Suns (numa vertente mais progressiva) e os açorianos Classic Rage. Na área do Black Metal o destaque vai para os Sirius, mas o final prematuro da banda não permitiu o sucesso internacional que o seu álbum de estreia prometia.
Numa outra vertente, assiste-se à realização de espectáculos em espaços mais diversificados. Entre os vários locais destaque para o Hard Club, inaugurado em 2000, no cais de V.N. Gaia e o Paradise Garage em Lisboa que acabam por substituir o mítico Dramático de Cascais.
Com a entrada do novo milénio constata-se um extremar dos sons nacionais mais pesados. Os novos sons que vieram dos EUA e influenciaram a Europa acabaram por chegar também a Portugal reflectidos em bandas como Mofo, Clinger, Anger (já extintos) ou Mindlock. A par destas novas bandas, muitas da década anterior e algumas da década de 80 continuam no activo ou regressaram.
Por outro lado continuaram a ser editados todos os anos vários álbuns por editora pequenas ou por edições de autor mostrando uma crescente profissionalização deste meio apesar das dificuldades com que ainda se depara, mas dando garantias de que o futuro do Metal em Portugal não está em causa.
Fonte: http://metalurgiasonora.blogs.sapo.pt
Pequenas correcções e actualização: Carlos Santos
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